Parador Hampel: uma imersão num paraíso natural histórico
- Rosana Sperotto e Maria Luisa Santos Soares
- 3 de mai. de 2017
- 7 min de leitura

Subimos a serra de novo. Desta vez pegamos a 116 até Novo Hamburgo e rumamos pela RS 239 até Taquara, onde pegamos a RS 020 rumo aos Campos de Cima da Serra.
Como também apreciamos o caminho, vamos atentas à paisagem e seus xadrezes característicos de uma região de minifúndios produtivos. Paramos para almoçar em Taquara, no Restaurante Topo Gigio, à esquerda de quem sobe rumo à serra. Gente querida e orgulhosa de sua história. Ali as crianças provavelmente perguntarão sobre o boneco do personagem mirim que ocupa o balcão. Teremos que contar que ele brilhava na televisão na década de 70, ano de fundação do Restaurante. Uma comida caseira e bem na nossa conta. Boa e acessível. Além do boneco Topo Gigio, as crianças podem se divertir na pracinha dedicada a elas no pátio que tem uma vista perfeita da região.




Em Três Coroas, o Templo Budista Chagdud Gonpa Khadro Ling nos mostra um grande Buda e convida à meditação. Em seguida a vegetação vai dando o charme desta estrada. Araucárias, orquídeas, bromélias e a rainha das samambaias: o xaxim! Nosso destino: São Francisco de Paula, onde a europeização do turismo ainda não chegou. Onde uma cultura diferenciada, típica da região, lembra sua origem de passagem de tropeiros, que aproveitavam os campos nativos para alimentar o gado, quando vinham de São Paulo. Chegamos pelo pórtico de entrada e fomos pegas pela desorientação costumeira, já que dispensamos o aplicativo com GPS. Mesmo conhecendo nosso destino desde os 12 anos e a Rosana sabendo o caminho, entre uma entrada à direita e outra à esquerda, erramos a direção, até que um senhor nos indicou o rumo certo. Gargalhadas.

Finalmente chegamos ao Parador Hampel!, hospedagem namorada por um bom tempo e escolhida como ponto principal do nosso passeio. Foi um prazer imenso retornar ao lugar que continua exatamente como era. Aos quase 60 anos, costumo me entristecer quando retorno a lugares memoráveis e só vejo mudanças devastadoras. Ali, no entanto, pude reencontrar a mesma magia que vi em criança e depois com meus filhos. Um lugar sagrado para muitas pessoas que por ali passaram desde sua fundação, em 1899. Onde a natureza impera absoluta. E onde seu fundador, o Dr. Hampel, construiu um hotel sanatório para abrigar pessoas com problemas respiratórios, um local de cura. Ele também teve o cuidado de preservar a mata nativa, implantando plantas exóticas de forma delicada, sem destruir o ambiente nativo. Foi a família Hampel que trouxe da Alemanha a hortênsia, flor originária da China e do Japão, estampada como logotipo do Parador Hampel.

Os Campos de Cima da Serra são nossa paisagem mais singular.

Na chegada fomos recebidos por Carol, a gerente, Daniele, recepcionista e encarregada das reservas, e Dinho, responsável pela manutenção. Todos atenciosos e portadores de uma gentileza informal, que faz o hóspede se sentir em casa. As camélias oferecidas por Daniele à Rosana, quando passava por nós e percebeu o encantamento da hóspede, ficam como o retrato desse acolhimento verdadeiramente diferenciado pela sensibilidade dos colaboradores do hotel.

Ocupamos uma cabana entre a paisagem típica serrana, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, com um pequeno fogão a lenha, onde assamos na chapa alguns pinhões recolhidos pelo chão. Xaxins gigantes sob as araucárias repletas de bromélias e um chão de musgo fofo que dá pena de pisar. Até uma poltrona extra nos foi trazida por Carol, a gerente, enquanto Dinho trocava uma lâmpada, explicava o funcionamento de estufas e da TV.


Logo perguntamos por Marcos Livi, atual proprietário. Já sabíamos de sua história. Nativo de São Francisco, seus pais, agricultores, dispunham ao Hampel alguns cavalos mansos de aluguel para o passeio dos turistas. Sua mãe, dona Laura, tem o X-burguer mais famoso de São Francisco, o X da D. Laura, onde Marcos deu os primeiros passos para sua carreira de sucesso como chef , preparando hambúrger na chapa. Ele chegaria na sexta-feira, vindo de São Paulo onde tem quatro restaurantes. Faz o percurso todo feriadão, para dedicar aos hóspedes a autêntica culinária gaúcha. Ovelha e porco inteiros assados ao ar livre remontam a tempos pretéritos dos tropeiros. Estávamos com sorte. Poderíamos conversar com ele no dia seguinte.
À noite, depois de um jantar na cabana com direito à galinha com farofa trazido na cesta de piquenique, graças à Regina, companheira desse episódio que levou um som portátil, ouvimos e dançamos do samba ao tango, passando pelo Buena Vista Social Club, João Bosco e Piazzola. Coisas de mulheres que não se melindram em se divertir.
Na sexta-feira resolvemos tomar café mais tarde, já que ele é servido das 8 às 11 horas, para depois visitar o lago. Ao entrar no grande casarão que abriga a cozinha e restaurante a impressão é de desembarcar num filme de época. Levamos o mini-trailer para nos acompanhar até a cozinha onde é servido o café, com um fogão a lenha gigante, cadeiras cobertas por pelegos, um sofá vintage super charmoso e uma mesa coberta de delícias regionais, como queijo serrano, embutidos, geleias, biscoitos, pães, bolos… Pequenos coadores de pano estão dispostos para que cada hóspede tenha seu café feito na hora, assim como omeletes preparados ao gosto de cada um.







Todos se encantam com o trailer, que colocamos ao lado, com as luzes acesas e a caixinha de música fazendo a trilha sonora da tão saborosa refeição. Durante o café, Carol fez o papel de cuidadora da Lili, mãe da Rosana, nossa idosa que participa das empreitadas turísticas. Uma gentileza tão espontânea que chegou a nos emocionar.

Depois do café, ficamos no pátio para apreciar o sol de outono, com o ar seco e o céu de um azul que só existe nesta época. Estávamos ali, a catar pinhões pelo chão, deslumbradas com a possibilidade da coleta, quando Marcos apareceu. Dissemos que gostaríamos de conversar com ele, mas falamos tão como admiradoras que talvez o tenhamos assustado. Ficamos com a impressão que teríamos uma entrevista formal.

Horas depois estávamos no lago, produzindo a foto costumeira, nosso pequeno trailer cortando a paisagem. Aí o acaso nos foi generoso. Avistamos a aproximação de Marcos, que mostrava o local a um consultor do Sebrae. Explicava seus planos para o futuro do Hampel. Comprovada nossa intuição: a formalidade ali passa ao largo. Sentadas em troncos caídos depois de um vendaval, proseamos com Marcos e pudemos matar toda a curiosidade. Três questões centrais direcionam o empreendimento adquirido no ano passado: acessibilidade, hospitalidade e respeito à natureza. Aos poucos as plantas e árvores exóticas vão sendo substituídas pelas nativas. As hortênsias, que dão o nome a esta região, na verdade são bastante invasoras, não atraem nem pássaros nem insetos polinizadores e dificultam o crescimento das nativas ao redor. Por isso elas serão preservadas em locais onde serão monitoradas.

Na ilha existente na área já se iniciou o manejo. Ela será transformada em ilha das borboletas. Ali serão plantadas plantas nativas que atraem borboletas para o encanto dos visitantes. Pequenos recantos serão dispostos em locais estratégicos onde os hóspedes poderão tomar um chá aconchegados em mantas. Rosana, que tem sequelas de pólio e dificuldades de locomoção, estava sentada, e Marcos nem tinha visto sua bengala. Quando falou em acessibilidade, nosso radar detectou mais um ponto positivo.

Ele contou que sua preocupação cresceu com a visita de uma senhora de 80 anos com sua família. Ela também havia frequentado o Hampel quando criança, depois com os filhos. Agora, com os netos, estava impossibilitada de chegar nos seus lugares preferidos, como o lago e a cascata. E Marcos se comoveu ao ouvir a curiosidade da idosa, perguntado aos netos se viram tal ou qual detalhe. “Acho que esta senhora tem o direito de rever o que está na sua memória afetiva” – disse. Seu projeto é de facilitar o acesso, reformando o hotel e utilizando carrinhos elétricos para o transporte. Como nosso lema é acessível em termos de preço e mobilidade, perguntamos se toda esta estrutura não tornaria o Hampel um hotel mais caro do que é hoje (em torno de 100,00 /pessoa por dia) . Ele explicou que alguns hóspedes já tinham feito a mesma pergunta quando ele sentou com eles depois de um dos almoços ao ar livre. “Eles estavam encantados com o fato de o chef ter sentado à sua mesa. -Quando todos os teus projetos terminarem, a diária aqui vai a dois mil reais – disseram. Respondi que as pessoas que pagariam dois mil reais por uma diária, provavelmente, não iriam querer sentar com o chef. Prefeririam um mordomo.” O encontro rendeu-nos uma foto com nosso ídolo da gastronomia e da hospedagem junto ao pequeno trailer. Uma alegria!

Reforçamos ali a convicção de que ainda existem lugares como este, a pouco mais de uma hora da Região Metropolitana, onde podemos relaxar informalmente e apreciar toda sua magia. Com o canto das gralhas azuis e martins pescador ao fundo, permanecemos à borda do lago, curtindo a satisfação das revelações de Marcos feitas com o entusiasmo característico dos sonhadores-realizadores que não esqueceram sua origem. Cresceu em São Chico, estudou gastronomia na região, foi pra São Paulo onde hoje tem vários empreendimentos gastronômicos. Bares, dois que homenageiam gaúchos talentosos- Veríssimo e Quintana-, o bioma Pampa no Mercado de Pinheiros com produtos do sul, a Pizzaria Napoli Centrale, a padaria Officina e um novo Quintana. Graças a este homem que sempre deu valor a sua terra, hoje podemos ver e mostrar para as próximas gerações o encanto de uma paisagem única.


Na volta, nem pensamos no almoço, o café farto da manhã nos sustentou por horas. Rumamos agora pela BR 116, para curtir outra paisagem, com passagem rápida por Canela e Gramado. E entre Gramado e Nova Petrópolis, uma parada obrigatória para quem ama jardins, no espaço à beira da estrada da Telírica, pequena empreendedora do ramo de floricultura, que chama atenção dos passantes. Para ela dedicaremos um espacinho especial num dos próximos posts.

No fim da tarde, já depois de Nova Petrópolis, a fome bateu e aproveitamos para parar em outro local especial, a Tenda do Guri, à esquerda de quem desce, na Picada Café. Ali pagamos 7 reais por um bom café com leite e um pastel sequinho e bem temperado. Gostamos tanto dali que tive que voltar no dia seguinte (rs). Esqueci minha bolsa e as pamonhas que comprei. Tudo estava lá me esperando. Muito obrigada, Angelita. Pena que enquanto fui pegar a bolsa e as pamonhas, meu filho e minha nora, grávida, ficaram como crianças a escolher biscoitos e iguarias locais, queijos e embutidos especiais (destaque para o biscoito de goiabada produzido em Nova Petrópolis) e, distraídos, esquecemos novamente as pamonhas…. (rsrs) Coisas de que quem se encanta com tudo e, às vezes, se distrai tanto que perde o foco.
