Um novo mundo possível no Sítio Libélula
- Maria Luíza dos Santos Soares
- 20 de fev. de 2019
- 3 min de leitura

Nosso passeio de domingo seguiu pela chuva afora. Sem acesso à Internet, acabamos pegando o trajeto mais longo até o Caminho das Pipas. Três quilômetros depois das vinícolas, fomos encontrar o Sítio Libélula. No trajeto mais curto, chega-se ali, antes das cantinas, pois fica na mesma estrada. Não foi difícil achar o sítio, pois todo mundo já conhece o lugar. A referência é “aquele chalé novo com telhado verde”. Chegamos à tarde e havia uma calma movimentação entre adultos e crianças. Sentamos para um chimarrão em uma roda de conversa. Havia ali umas 20 pessoas em grupos espalhados na cozinha comunitária, onde fica o deque em que tomavam o mate. Descansavam depois do mutirão de construção da pracinha. Não demorou muito para que novos participantes chegassem.

A surpresa ficou por conta dos sacos de milho crioulo trazidos por moradores das vizinhanças. Em tempos de transgenia e morte de abelhas, ficamos felizes ao ver aquele milho diferente, cujas sementes foram preservadas por gerações e gerações. Aqui, preciso mencionar meu avô, já falecido há tempos, Mario Vicente dos Santos, para dar o verdadeiro sentido daquela roda de jovens de todas as cores, como as do milho. Sempre entusiasmado com as novidades, ficou impressionado quando, há uns 50 anos, um técnico da Emater lhe apresentou o milho híbrido. Espigas grandes com sementes regulares anunciavam uma boa produção. Foi com indignação, no entanto, que ele percebeu que aquelas sementes jamais se reproduziriam, e ele teria que comprá-las todo o ano, se não tivesse guardado as sementes do seu milho crioulo. E é assim que funciona a grande produção de milho hoje em dia, com as sementes concentradas em grandes corporações que monopolizam as vendas. Mas ali onde estávamos a pegada era bem outra.

Um dos jovens já anunciou aos parceiros que iriam ajudar a debulhar o milho: “Vamos usar uma bacia para guardar as sementes maiores. São elas que darão os melhores pés de milho do próximo plantio”. Muitos ainda não sabiam desta tradição milenar: seleção de sementes. Presenciando a animação daquela gurizada, fomos testemunhas de uma pedagogia baseada na alegria dos que acreditam no que estão fazendo, mesmo a duras penas pelo trabalho pesado, nada romântico, dos agricultores.

Assim seguiram a reunião, conversando e debulhando milho e ideias para a rede de apoio que estão construindo. Um novo tipo de turismo, solidário e ecológico. Assim é o Sítio Libélula. Uma proposta pensada e maturada pelo casal Clarissa Silveira e Felipe Drago e os filhos, Stela e Antônio. Ele, arquiteto, e ela, artista visual, deixaram o Bonfim em Porto Alegre para propiciarem aos filhos uma vida ligada à terra. Ali se pode curtir um verdadeiro turismo de experiência.

No território coletivo, como é denominado pelos proprietários, desenvolvem atividades de agroecologia e de lazer. Os visitantes podem participar ativamente do cotidiano da família, seja na cozinha, na horta ou no pátio e também conhecer a trilha que leva à cascata.

Depois de estabelecida a estrutura básica, quartos e banheiros num espaço, e cozinha coletiva e sala em outro, tudo mais foi construído em regime de mutirão, com auxílio dos hóspedes, muitos deles amigos que moram em apartamentos em Porto Alegre e buscam esta experiência rural. Um espaço para fogueira, o deque, que propicia uma vista absolutamente verde do morro em frente à propriedade, ou a pracinha para as crianças, que ainda está em construção.

O sítio participa do Projeto Propriedade Sustentável, que teve início em outubro de 2017. Trata-se de uma iniciativa do DEL (Desenvolvimento Econômico Local), Prefeitura, Emater, IFRS, Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Sicred. A iniciativa oferece aos participantes formação em agroecologia, turismo e sustentabilidade. Segundo Clarissa, o Projeto já gerou alguns vídeos, inclusive um sobre o Sítio Libélula, em que a família expõe sua nova proposta de turismo e está disponível na página do Facebook. O primeiro passo da iniciativa, lá em 2017, foi conhecer as diferentes realidades de cada pequena propriedade. “Para nós, foi muito importante conhecermos, nessas andanças, mulheres que lutam todos os dias, na cidade e no meio rural, por alimentos sem veneno e para que nossas águas e florestas sejam preservadas”, explica Clarissa, que também é educadora social, saboeira, benzedeira e guardiã do sítio. Além dos mutirões, o espaço oferece eventualmente cursos que combinam com os ideais humanísticos e ecológicos: Mulheres Plantando – vivências e conexões com nossa ancestralidade, e Sistemas Florestais Medicinais.

Aniversário bem comemorado com vivências tão ricas, não é mesmo? Não experimentamos as famosas cucas, mas nos fartamos com as gratas surpresas, os imprevistos controláveis e a nossa parceria de uma vida toda e de dois anos de estrada.
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